Nossa Senhora das Graças


A Madre Marta nos falara sobre a devoção aos santos, em particular sobre a devoção à Santíssima Virgem - o que me deu desejo de vê-La - e me deitei com esse pensamento: que nessa noite mesmo, eu veria minha Boa Mãe. Como nos haviam distribuído um pedaço do roquete de linho de São Vicente, cortei a metade e a engoli, adormecendo com o pensamento de que São Vicente me obteria a graça de contemplar a Santíssima Virgem. Enfim, às onze e meia da noite, ouvi alguém me chamar:

- Irmã Labouré! Irmã Labouré!

Acordando, abri a cortina e vi um menino de quatro a cinco anos, vestido de branco, que me disse:

- Levantai-vos depressa e vinde à Capela! A Santíssima Virgem vos espera.

Logo me veio o pensamento de que as outras irmãs iam me ouvir. Mas, o menino me disse:

- Ficai tranquila, são onze e meia; todas estão profundamente adormecidas. Vinde, eu vos espero.

Vesti-me depressa e me dirigi para o lado do menino, que permanecera de pé sem se afastar da cabeceira de meu leito. Eu o segui. Sempre à minha esquerda, ele lançava raios de claridade por todos os lugares onde passávamos, nos quais os candeeiros estavam acesos, o que muito me espantava. Porém, muito mais surpresa fiquei ao entrar na capela: logo que o menino tocou a porta com a ponta do dedo, ela se abriu. E meu espanto foi ainda mais completo quando vi todas as velas e castiçais acesos, o que me recordava a missa de meia-noite. Entretanto, eu não via a Santíssima Virgem.

O menino me conduziu para dentro do santuário, até o lado da cadeira do diretor espiritual. Ali me ajoelhei, enquanto o menino continuou de pé. Como o tempo de espera estava me parecendo longo, olhei para a galeria para ver se as irmãs encarregadas da vigília noturna não passavam por ali.

Por fim, chegou o momento. O menino me alertou, dizendo: - Eis a Santíssima Virgem! Ei-La!

Nesse instante, Catarina ouve um ruído, como o frufru de um vestido de seda, vindo do alto da galeria. Levanta os olhos e vê uma senhora com um traje cor de marfim, que se prosterna diante do altar e vem se sentar na cadeira do Padre Diretor. A vidente estava na dúvida se Aquela era Nossa Senhora. O menino, então, não mais com timbre infantil, mas com voz de homem e em tom autoritário, disse: - Eis a Santíssima Virgem!

A Irmã Catarina recordaria depois: Dei um salto para junto d'Ela, ajoelhando-me ao pé do altar, com as mãos apoiadas nos joelhos de Nossa Senhora... Ali se passou o momento mais doce de minha vida. Ser-me-ia impossível exprimir tudo quanto senti.

Ela disse como me devo conduzir face a meu diretor espiritual, como me comportar em meus sofrimentos vindouros, mostrando-me com a mão esquerda o pé do altar, onde eu devo vir me lançar e expandir meu coração. Lá receberei todas as consolações de que necessito. Eu Lhe perguntei o que significavam todas as coisas que vira e Ela me explicou tudo:

- Minha filha, Deus quer te encarregar de uma missão. Terás muito que sofrer, porém hás de suportar, pensando que o farás para a glória de Deus. Saberás (discernir) o que é de Deus. Serás atormentada, até pelo que disseres a quem está encarregado de te dirigir. Serás contraditada, mas terás a graça. Não temas. Dize tudo com confiança e simplicidade. Serás inspirada em tuas orações. O tempo atual é muito ruim. Calamidades vão se abater sobre a França. O trono será derrubado. O mundo inteiro se verá transtornado por males de todo tipo (a Santíssima Virgem tinha um ar muito entristecido ao dizer isso). Mas venham ao pé deste altar: aí as graças serão derramadas sobre todas as pessoas, grandes e pequenas, particularmente sobre aquelas que as pedirem com confiança e fervor. O perigo será grande, porém não deves temer: Deus e São Vicente protegerão esta Comunidade.


Quatro meses transcorreram desde aquela prodigiosa noite em que Santa Catarina contemplara pela primeira vez a Santíssima Virgem. Na inocente alma da religiosa cresciam as saudades daquele bendito encontro e o desejo intenso de que lhe fosse concedido de novo o augusto favor de rever a Mãe de Deus. E foi atendida. Era 27 de novembro de 1830, sábado. Às cinco e meia da tarde, as Filhas da Caridade encontravam-se reunidas na sua capela da rue du Bac para o costumeiro período de meditação. Reinava perfeito silêncio nas fileiras das freiras e noviças. Como as demais, Catarina se mantinha em profundo recolhimento. De súbito...

Pareceu-me ouvir, do lado da galeria, um ruído como o frufru de um vestido de seda. Tendo olhado para esse lado, vi a Santíssima Virgem à altura do quadro de São José. De estatura média, sua face era tão bela que me seria impossível dizer sua beleza. A Santíssima Virgem estava de pé, trajando um vestido de seda branco-aurora, feito segundo o modelo que se chama à la Vierge, Rue-du-Bac- França - Igreja de Santa-Ana.jpgmangas lisas, com um véu branco que Lhe cobria a cabeça e descia de cada lado até embaixo. Sob o véu, vi os cabelos repartidos ao meio, e por cima uma renda de mais ou menos três centímetros de altura, sem franzido, isto é, apoiada ligeiramente sobre os cabelos. O rosto bastante descoberto, os pés pousados sobre uma meia esfera. Nas mãos, elevadas à altura do estômago de maneira muito natural, Ela trazia uma esfera de ouro que representava o globo terrestre. Seus olhos estavam voltados para o Céu... Seu rosto era de uma incomparável formosura. Eu não saberia descrevê-lo...

De repente, percebi em seus dedos anéis revestidos de belíssimas pedras preciosas, cada uma mais linda que a outra, algumas maiores, outras menores, lançando raios para todos os lados, cada qual mais estupendo que o outro. Das pedras maiores partiam os mais magníficos fulgores, alargando-se à medida que desciam, o que enchia toda a parte inferior do lugar. Eu não via os pés de Nossa Senhora. Nesse momento, quando eu estava contemplando a Santíssima Virgem, Ela baixou os olhos, fitando-me. E uma voz se fez ouvir no fundo de meu coração, dizendo estas palavras:

- A esfera que vês representa o mundo inteiro, especialmente a França... e cada pessoa em particular...

Não sei exprimir o que senti e o que vi nesse instante: o esplendor e a cintilação de raios tão maravilhosos...

- Estes (raios) são o símbolo das graças que Eu derramo sobre as pessoas que mas pedem - acrescentou Nossa Senhora, fazendo-me compreender quão agradável é rezar a Ela, quanto Ela é generosa para com seus devotos, quantas graças concede às pessoas que Lhas rogam, e que alegria Ela sente ao concedê-las.

- Os anéis dos quais não partem raios (dirá depois a Santíssima Virgem), simbolizam as graças que se esquecem de me pedir.
Nesse momento formou-se um quadro em torno de Nossa Senhora, um pouco oval, no alto do qual estavam as seguintes palavras: "Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós", escritas em letras de ouro. Uma voz se fez ouvir então, dizendo-me:

- Fazei cunhar uma medalha conforme este modelo. Todos os que a usarem, trazendo-a ao pescoço, receberão grandes graças. Estas serão abundantes para aqueles que a usarem com confiança...

Nesse instante, o quadro me pareceu girar e vi o reverso da medalha: no centro, o monograma da Santíssima Virgem, composto pela letra "M" encimada por uma cruz, a qual tinha uma barra em sua base. Embaixo figuravam os Corações de Jesus e de Maria, o primeiro coroado de espinhos, e o outro, transpassado por um gládio. Tudo desapareceu como algo que se extingue, e fiquei repleta de bons sentimentos, de alegria e de consolação.

Santa Catarina dirá, mais tarde, a seu Diretor Espiritual ter visto as figuras do verso da medalha contornadas por uma guirlanda de doze estrelas. Tempos depois, pensando se algo mais devia lhes ser acrescentado, ouviu durante a meditação uma voz que dizia:

- O M e os dois corações são suficientes.

Passado alguns dias, em dezembro de 1830, Nossa Senhora apareceu pela terceira e última vez a Santa Catarina. Como na visão anterior, Ela veio no período da meditação vespertina, fazendo-se preceder por aquele característico frufru de vestido de seda. Dali a pouco, a vidente contemplava a Rainha do Universo, em seu traje cor da aurora, revestida do véu branco, segurando novamente um globo de ouro encimado por uma pequena cruz. Dos anéis ornados de pedras preciosas jorra, com intensidades diversas, a mesma luz, radiosa como a do sol. Contou depois Santa Catarina:

É impossível exprimir o que senti e compreendi no momento em que a Santíssima Virgem oferecia o Globo a Nosso Senhor. Como estava com a atenção voltada em contemplar a Santíssima Virgem, uma voz se fez ouvir no fundo de meu coração: Estes raios são símbolo das graças que a Santíssima Virgem obtém para as pessoas que Lhas pedem. Estava eu cheia de bons sentimentos, quando tudo desapareceu como algo que se apaga. E fiquei repleta de alegria e consolação...

Morreu em 31 de Dezembro de 1876

Seu corpo foi exumado em 1933, sendo encontrado incorrupto, e hoje é exposto à veneração na capela de sua Ordem, a mesma onde aconteceram as visões, na Rue du Bac, 140, em Paris. Foi beatificada em 1933 pelo Papa Pio XI e canonizada em 27 de julho de 1947 pelo Papa Pio XII, 100 anos após a aprovação pontifical da Juventude Mariana Vicentina (J.M.V.), solicitada pela própria Catarina e pelo Padre Aladel.


Corpo incorrupto de Santa Catarina Labouré

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